quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Fernando de Noronha - Pernambuco

(Publicado em agosto de 1999)


“Fernando de Noronha é um lugar para se conhecer, desvendar, descobrir e nunca mais esquecer.” - Tadeu Lourenço de Lima, administrador geral, novembro de 1998.

Esmeralda do Atlântico

Partindo de Natal ou Recife, em um avião com capacidade para acomodar 30 passageiros, os vôos diários com destino a Fernando de Noronha são sempre diferentes. O comandantes e os comissários que o digam. Entretanto, eles fazem questão de dividir esse privilégio com os turistas, fornecendo informações durante o tempo de espera enquanto sofremos ansiosamente até avistarmos a Esmeralda do Atlântico.

O sobrevôo que o comandante resolve fazer ao se aproximar do arquipélago é uma prévia do que veremos quando chegarmos lá embaixo. A responsabilidade e o privilégio de poder contemplar a ilha mais cobiçada por amantes da natureza e do mar é tão grande, que é capaz de anular qualquer tentativa de preguiça ou cansaço. Principalmente pelo fato de se precisar andar, e andar muito, para desvendar os lugares mais escondidos. Caminhos esses que passam no meio do mato, do barro, de trilhas, de escadarias, fendas e barrancos que os bugues (principal meio de transporte na ilha) muitas vezes não alcançam.

Sim, é preciso passar pelo inferno para chegar ao paraíso ou, se preferir, é preciso agüentar a tempestade para ver o arco-íris. Porém, quando a mata dá uma brecha, a paisagem ao fundo compensa qualquer esforço. O mar de águas ora verdes ora azuis, mas sempre cristalinas, excede nossas expectativas.

Agenda cheia
Coisas para fazer é que não faltam em Noronha. Praticar o mergulho autônomo (com cilindro de ar comprimido) é uma das atrações para quem está habilitado, podendo, inclusive, observar tubarões, tartarugas, arraias, peixes coloridos, moréias, além de lagostas, polvos, corais, esponjas, algas e, se der sorte, pode ainda mergulhar em meio aos golfinhos rotadores que estão sempre por ali para descansar.

Quem não pode mergulhar a 15 ou 20 metros, pode sair bem satisfeito se contemplar o mar da superfície, porque a visibilidade pode chegar a 50 metros, dependendo da época do ano (entre julho e setembro as águas são mais transparentes). Praticando o mergulho livre ou o snorkeling (com máscara e respirador) é possível admirar os peixinhos coloridos que estão espalhados por todas as praias, assim como as arraias-manteiga, que ficam no rasinho e se camuflam no fundo de areia.

Outro passeio interessante é o de barco que, muitas vezes, já está incluso no pacote de viagem. A embarcação navega de uma ponta a outra da ilha pelo chamado Mar de Dentro, pois sua face é voltada ao continente e não venta muito. A maior parte das praias, e também as mais belas, fica desse lado. Durante o passeio é possível conhecer as ilhas secundárias que compõem o arquipélago, assim como passar pela Baía dos Golfinhos e chegar até a Ponta da Sapata, extremo oeste da ilha principal que também é o nome do arquipélago. Lá está o Portal da Ponta da Sapata, uma fenda no meio da rocha com a forma do mapa do Brasil.

Aprendendo a lição
Durante a caminhada histórica, que começa na principal vila da ilha, a dos Remédios, pode-se observar a Igreja Nossa Senhora dos Remédios, único templo católico cujo padre visita duas vezes por mês para realizar casamentos, batizados e missas em geral. Observamos o Palácio São Miguel, atual sede administrativa da ilha; o Banco Real, o único, inaugurado em 1974, instalado na antiga escola de Noronha; o museu e o Forte Nossa Senhora dos Remédios. Sua base foi construída por holandeses em 1629 e foi terminado em 1736 pelos portugueses. É também a construção mais antiga da ilha. Não deixe de observar o calçamento construído pelos presos.

Chegando ao topo, após vencer a barreira de um lugar sombrio, pois existiam muitas celas e solitárias, a paisagem é deslumbrante. Do lado direito está o Porto Santo Antônio. Se a palavra “porto” é associada ao Porto de Santos, esqueça. Porto com óleo diesel nas águas, mal cheiro, mercado de peixe, prostituição está longe de ser uma referência ao porto que se tem na ilha. Só para ilustrar, é lá que os alunos dos cursos de mergulho fazem suas aulas práticas ao invés de usarem piscinas construídas pelo homem. Os peixinhos sempre dão o ar de sua graça por lá.

Mercado de peixe só se for de Tubalhau feito pelos quiosques vizinhos. Esse prato típico, mas encontrado apenas no porto, é feito com carne de tubarão da mesma forma como fazemos o bacalhau.

Do outro lado estão o Mirante e a praia do Cachorro. A praia tem esse nome porque havia uma bica natural que jorrava água permanentemente no século passado. Havia, também, uma cara de cachorro, em bronze, por onde a água corria. Esta bica desapareceu neste século e só ficou o forró mais badalado pelos ilhéus e pelos visitantes.

Ao lado da praia do Cachorro estão a do Meio e da Conceição, as mais próximas do centro e por isso as preferidas dos ilhéus. Logo já é possível ver o Morro do Pico, o ponto culminante da ilha a 323 metros de altura acima do nível do mar. Só ver, porque, no passado, alguns aventureiros subiram e escreveram seus nomes e hoje está proibido por tempo indeterminado.

Passeio de um lado
Uma forma de conhecer essas praias é fazendo o passeio chamado Ilha Tour, realizado a bordo de bugues com motoristas, que nada mais são que nativos da ilha e que conhecem os acessos mais fáceis.

Depois, já vem o Forte São Pedro de Boldró. Ele serviu como base aos americanos que ali se instalaram durante a Segunda Guerra Mundial. O nome da praia surgiu devido ao Morro do Pico que eles chamavam de Bold Rock (Pedra Cheia). A partir de uma corruptela bem brasileira, a praia ficou simplesmente Boldró. Não por acaso, também, a praia ao lado se chama Americano, lugar em que os soldados mais gostavam de ficar para repousar. Lá existia também uma noitada, o forró. Outra corruptela, porque os americanos chamavam de for all (para todos) os bailes de arrasta-pé que freqüentavam para se integrar à comunidade local (há controvérsias porque historiadores dizem que o termo vem de forrobodó).

A seguir, temos a praia do Bode, Quixaba e Cacimba do Padre, nome originado porque um padre descobriu uma fonte de água potável. Dizem que “quem bebe de sua água jamais esquece Fernando de Noronha e volta um dia”. É lá que estão os famosos morros Dois Irmãos. Famosos porque quem já viu fotos de Noronha com certeza viu uma dos Dois Irmãos. Eles estão para o arquipélago assim como o Pão de Açúcar está para o Rio de Janeiro e a Estátua da Liberdade para Nova York. Andando um pouco mais, chega-se à outra trilha e, então, a Baía dos Porcos. Piscinas naturais formam a baía proporcionando mais contemplações do fundo do mar, para ironizar seu nome de batismo. Porcos, ali? Só os turistas mal-educados que deixam seus vestígios em forma de latinhas de refrigerante e garrafas de água mineral.

A mais bela
Mais uma trilha e, finalmente, a praia do Sancho. Finalmente porque essa é a mais linda das praias de Noronha por vários motivos que você descobrirá quando pisá-la. Se a maré estiver alta, não dá para chegar nem à Cacimba do Padre beirando a água e, para chegar ao Sancho existe um outro modo bem mais difícil, que é por cima. É preciso caminhar no meio da lama, descer escadas verticais de ferro, enfrentar pingos da cachoeira, pedras e lugares estreitos que só passa o próprio corpo. Entretanto, durante toda a empreitada, dá para admirar a bela vista que se tem de lá. O mar de águas verdes é calmo, a areia é limpa e a paz é imensa. Palavras não conseguem exprimir a sensação de estar no Sancho, nem a saudade, mas como eu havia explicado, só estando lá para ver, e sentir.

A Baía dos Golfinhos não possui praia, tampouco podemos nos aproximar dela, mas é possível esperar lá do mirante que eles se aproximem. Existem cerca de 700 deles, onde estão reunidas as condições necessárias para que eles possam se reproduzir e viver sem problemas. Essa espécie só é encontrada também no Havaí, por isso que é proibido mergulhar junto com eles.

Os golfinhos rotadores (Stenella longirostris), como são conhecidos por rodopiar em volta do próprio eixo como uma forma de se comunicar com os outros do grupo, voltam ao amanhecer e ao entardecer para descansar.

Existe um passeio que começa às 5 horas da manhã, saindo da pousada, e percorremos uma trilha a pé e no escuro (o sol nasce às 6h), apenas com a ajuda de uma lanterna. Do alto podemos observar a baía, mas, justo quando fui contemplá-los, deram o cano. Mas, estando em férias, tudo é motivo para brincadeira.

Sucesso mesmo fizeram os lagartos, cujo nome científico é Mabuya maculata. Uma espécie de lagartixa maior e com coloração escura, se compararmos com aquela que estamos acostumados a ver. Simpáticos ao extremo, não fossem eles os únicos ladrões da ilha que farejam doces de longe e correm para comer em nossas mãos. Com certeza um espetáculo à parte.

Turismo
Os visitantes são constituídos por um batalhão de turistas que desembarcam diariamente num número assustador de 31 mil visitantes por ano. Contando que a população local é de 2.500 habitantes, dá para notar a disparidade que ocorre, principalmente, em alta temporada. Nessa época falta água pelo fato de o abastecimento ser a chuva. Isso quer dizer que não existem nascentes nem fontes de água potável. Por isso, a água da chuva é reservada em depósitos com capacidade 300 mil metros cúbicos e é o maior da América Latina. Após receber um tratamento, é distribuída para a população. Mesmo assim ela não chega a ser potável.

Hotel só existe um, o Esmeralda, que mais vale por sua origem pitoresca, que pelo seu serviço. Ele foi construído pelos americanos durante a Segunda Guerra. Os visitantes ficam mesmo em pousadas que são instaladas nas casas dos ilhéus geralmente com ar-condicionado, frigobar e banheiro privativo. Na hora do banho, para quem não está acostumado, a água é fria e salobra.

Não é à toa que Noronha é conhecida por ser a terra do Não. Ela possui normas e regulamentos lógicos, por exemplo: não se pode carregar de lembrança conchinhas, pedras, corais, esqueletos de peixes ou aves, pois a formação da areia depende da decomposição desses organismos marinhos. Isto quer dizer que a areia da ilha é de composição orgânica.

O fornecimento de energia elétrica é feito 24 horas por dia com ajuda de motores geradores que chegam aos consumidores a 220 V.

Não há cinemas na ilha, mas há palestras promovidas pelo Ibama todas as noites com projeções de slides e filmes que contam a história da ilha e conscientizam tanto seus moradores quando os visitantes a respeito da importância da proteção do arquipélago como um todo. Esse trabalho visa atingir principalmente as crianças, que serão os adultos de amanhã.

Outro lado
Continuando nosso passeio por Noronha, poderemos, agora, conhecer um pouco das praias localizadas no Mar de Fora, cuja face é voltada para o oceano. Lá estão praias como a do Leão, localizada no extremo sul da ilha. Ela recebeu esse nome pelo fato de a forma da ilha em frente se parecer com um leão marinho. Periodicamente, as tartarugas marinhas vão para desovar.

A praia do Sueste é o maior aquário natural e, na maré baixa, formam piscinas de baixa profundidade, ideal para observação da flora e fauna marinha. É nessa praia que está localizada a Sede do Projeto Tamar, responsável por preservar e monitorar as tartarugas da região, desde os ovos até o nascimento e crescimento dos filhotes. Atalaia também possui piscinas, mas, por ser um local onde ocorrem reproduções marinhas, não é permitido usar protetor solar nem bronzeador para não contaminar os seres marinhos.

Depois só falta conhecer o Buraco da Raquel, uma fenda na rocha que foi batizada com esse nome pelo fato de uma menina chamada Raquel, filha de alguém do alto escalão, ter problemas mentais. Ela ia a esse lugar para descansar e meditar e então acabou por batizá-lo com seu nome. Essa é uma das muitas lendas sobre o tal buraco.

Bem ao lado está o Air France. Local ocupado pelos franceses que fica bem no encontro do Mar de Dentro com o de Fora. Por isso, vá no final da tarde para contemplar o pôr-do-sol e admirar as ilhas secundárias que ficam próximas.

Com a ilha já visitada, só falta escolher a melhor para poder aproveitar o dia, ou o resto dos dias, e se deliciar com a paz e a tranqüilidade possíveis de se adquirir com a presença de uma natureza generosa e torcer para poder voltar em breve. Mas não se esqueça de se despedir quando estiver dentro do avião passando por cima da ilha novamente, mesmo que escorra uma lágrima de saudade.

A rica história de uma ilha
O navegador Américo Vespúcio, em uma das expedições descobridoras comandada pelo português Gonçalo Coelho, em 10 de agosto de 1503, protagonizou um naufrágio em uma ilha e foi considerado seu descobridor. O rei de Portugal d. Manoel fez a doação em forma de capitania hereditária para o fidalgo português chamado Fernão de Loronha, responsável financeiro pela expedição. Embora ele nunca tenha pisado lá, a ilha foi batizada com seu nome e seus descendentes reclamaram sua posse ao longo de dois séculos.

Embora Fernando de Noronha já constasse em cartas náuticas desde 1498 e ter sido ela a primeira capitania hereditária a receber o estanco (monopólio real), em 1502, a data da descoberta ficou definida quando um português bateu sua nau em uma de suas pontas.

Em 1504, a ilha mais cobiçada do Brasil ficou a mercê de aventureiros franceses, holandeses e ingleses, e cada civilização a batizava com um nome diferente. Já se chamou Quaresma, São João, São Lourenço, Delfine, Fernandez, Pavônia, Fora do Mundo, Fernão de Loronha e, por fim, Fernando de Noronha.

De mão em mão
Os franceses tomaram posse várias vezes nos séculos 16, 17 e 18 e os holandeses em meados do século 17. Os portugueses expulsaram os franceses em 1737 e ergueram mais de dez fortes, dos quais existem hoje apenas dois: São Pedro de Boldró e Vila dos Remédios. Por ser Pernambuco a capitania hereditária com maior capacidade para tomar posse, o arquipélago foi anexado a ela.

De 1726 a 1942 a ilha servia de presídio comum devido ao seu isolamento geográfico. Em 1938 Getúlio Vargas requisitou a ilha para instalação de presídio político e, em 1942, tornou-se Território Federal subordinado ao exército até 1981. Pertenceu à aeronáutica até 1986, ao EMFA até 1987 e ao Minter até 1988. De 1987 a 1988 teve seu governo próprio e, então, foi reanexado a Pernambuco por força constituinte, tornando-se Distrito Estadual do Estado de Pernambuco, dirigido por um administrador indicado pelo governador, referendado pela Assembléia Legislativa com aval da Assembléia Popular Noronhense.

Fernando de Noronha foi aberta ao turismo em 1972 e, desde 1988, o arquipélago passou a fazer parte de um Parque Nacional Marinho, de acordo com o Decreto Lei 96.693. Atualmente está sob os cuidados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que coordena a fauna e flora marinha e determina regras para que esse pedacinho do paraíso possa ser preservado.

Ao todo são cerca de 112 quilômetros quadrados de terras e águas que abrigam um importantíssimo complexo de vida marinha encontrada em raríssimos lugares do mundo. Por determinação das autoridades locais, são permitidos desembarcar 420 turistas por semana e o governo de Pernambuco cobra taxas de permanência com valores progressivos para desencorajar estadas demoradas, sendo que 50% da arrecadação é investida em recolhimento, reciclagem e envio do lixo para o continente (70% do lixo de Noronha é produzido em função de atividade turística). Os outros 50% são investidos, obrigatoriamente, em implantação e melhoria da infra-estrutura da ilha.

A população é constituída por descendentes de presos (uma ironia pelo simples fato de que Noronha possui uma taxa de criminalidade igual a zero), militares, migrantes e imigrantes. O Censo de 1998 registrou 1.700 habitantes e em 1999, 2.500. Morar lá? Só quem vai a trabalho ou casa com um nativo. É necessário possuir moradia e pedir autorização. Parece que estamos em outro país, né? Talvez, mas acredite: aquela terra é toda nossa e é só mais um pedacinho do Brasil que está sendo preservado para não acabar em destruição.

Localização e origem
O arquipélago é de origem vulcânica há mais de 10 milhões de anos e sua base está cravada a quatro mil metros da superfície, tendo 60 km de diâmetro. É formado por 21 ilhas e ilhotas, sendo seis principais: Fernando de Noronha, a maior com 26 km quadrados, Rata, do Meio, Lucena, Sela Ginete e Rasa e está localizado em alto-mar, a 360 km de Natal (1h10), 545 km de Recife (1h40) e 255 km ou 5º da linha do Equador e existe a diferença de fuso horário de uma hora a mais em relação a Brasília.

Mesmo pela distância, Noronha pertence a Pernambuco desde 1988. Não é à toa que as agências de viagens oferecem pacotes de turismo para lá, embora eles sejam um dos mais caros dentro do Brasil (não fosse a variação do dólar, sairia mais barato ir ao Caribe). Mas muitos ainda preferem gastar seus reais por aqui, ainda bem! Os pacotes são conjugados com Recife ou Natal, pelo fato de o vôo que vai para lá sair exatamente dessas duas capitais. Mas vale a pena. Aproveite para ir antes que o mundo acabe, ou pelo menos antes que o Ibama decida inibir cada vez mais os turistas de aportarem por lá. Mas não se esqueça de preservar o lugar que, mais do que nunca, é nosso!!!

Normas e regulamentos do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (Parnamar- FN). É proibido:

- Caça ou pesca submarina ou portar materiais para essa atividade;
- Introduzir animais ou plantas;
- Coletar conchas, corais, pedras, animais;
- Visitar as praias do Leão e do Sancho entre janeiro e junho das 18h às 6h;
- Nadar, mergulhar e parar embarcações próximas à Baía dos Golfinhos;
- Visitar as ilhas e ilhotas;
- Acampar, pernoitar e fazer fogo;
- Visitar as áreas que não sejam de uso público do parque sem autorização;
- Parar embarcações, com exceção da utilização dos bancos de areia da praia do Sancho ou das poitas do Sueste;
- Escrever ou pichar em rochas, árvores ou placas.

O não cumprimento acarreta em multa e apreensão do equipamento.

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